Cores extravagantes, adereços rebuscados, interações sociais, sons vocais e instrumentais, compõem elaborados rituais de exibição no mundo das aves. Tudo é válido na árdua tarefa de atrair a fêmea para a cópula e conseguir passar seus genes para as futuras gerações. O processo de corte é tão intenso para algumas famílias de aves que acabou selecionando padrões morfológicos únicos, fazendo com que hoje tenhamos espécies com machos de cores excêntricas e adornos nas plumagens, como é o caso do galo-da-serra (Rupicola rupicola).
A corte pode acontecer de diferentes maneiras, desde a emissão de sons diferenciados, posicionamento corporal incomum - mostrando partes que geralmente se encontram escondidas e, até mesmo, com aglomeração de indivíduos realizando movimentações repetitivas, o que a chamamos de dança.
Talvez o exemplo mais conhecido de rituais de acasalamento seja o das aves do paraíso, pássaros da família Paradisaeidae naturais, principalmente, de Nova Guiné e Austrália. No Brasil, as espécies da família Pipridae são as mais conhecidas pelos elaborados repertórios de exibições. Um exemplo clássico de ritual de cortejo é o realizado pelo tangará (Chiroxiphia caudata), também chamado de tangará-dançador. Essa espécie, assim como outros piprídeos, se reúne em arenas onde vários indivíduos se encontram para, juntos, performarem. Essa agregação de machos é chamada de lek.
No caso do tangará, cerca de três a cinco machos se posicionam em um poleiro, ao lado de uma fêmea que permanece imóvel durante toda a exibição. Os machos, um a um, seguindo a ordem, levantam voo de frente para a fêmea e retornam para o fim da fila. Nesse processo, pousam com o corpo para o lado oposto dos demais e depois retornam para a mesma posição dos outros machos do poleiro [1]. Além da repetição dos movimentos, o ritual também acompanha manifestações sonoras que são perceptíveis de longe aos ouvidos atentos. E um ritual tão elaborado precisa ser ensaiado! E para isso, os machos realizam a exibição entre si, sem a presença da fêmea.
No caso do tangará em que os machos estão agregados fisicamente e um está vendo o outro, temos os leks chamados clássicos. Entretanto, algumas espécies cortejam em grupos sem que haja a interação visual ou que ela seja mínima: esses são os leks explodidos. Nesses leks as aves se comunicam auditivamente, com vocalizações distintas e distantes dos outros machos, apesar de na mesma arena. Esse é o caso do cabeça-de-ouro (Ceratopipra erythrocephala), tangará-príncipe (Chiroxiphia pareola), uirapuru-estrela (Lepidothrix serena) e várias outras espécies.
O local da corte varia entre as espécies, podendo acontecer em galhos altos e, até mesmo, no solo. O dançarino-de-garganta-branca (Corapipo gutturalis) realiza exibições diferentes no sub-bosque e no chão. Essa espécie geralmente se exibe em troncos caídos em grupos de pelo menos dois machos (mas geralmente esse número varia de cinco a oito) que vocalizam e interagem no processo. Os machos de C. gutturalis voam do poleiro ao chão emitindo vocalizações e ao aterrissar, pousam com a garganta exposta para fora, mostrando a cor branca. Então o macho voa para o outro lado, passando por cima da fêmea e pousando na mesma posição mostrando a garganta. Depois abaixa a cabeça e, tremendo as asas e mostrando o branco escondido das penas, rasteja para trás em direção a fêmea. Logo após o macho retorna ao poleiro e realiza novamente toda a sequência, podendo, ou não, finalizar com a cópula [2].
Outra espécie que utiliza tanto galhos no sub-bosque quando áreas no chão é a rendeira (Manacus manacus). Esse pássaro corteja de forma solitária com a produção de sons instrumentais produzidos pelo bater de asas. O macho tem um repertório com cinco etapas, sendo uma delas no solo. Isso acontece da seguinte maneira: a rendeira voa entre três poleiros com a garganta inflada. A quarta parada é no solo, onde mantém uma postura mais ereta, ainda com a garganta inflada, e realiza um voo para cima até o próximo poleiro [3]. Nesse voo, o bater de asas produz o ruído que é responsável, inclusive, pela origem de seu nome popular.
Alguns rituais de acasalamento são tão complexos que envolvem inclusive a limpeza do ambiente da corte. Espécies como a rendeira e o galo-da-serra limpam a arena para realizarem suas performances. Mas isso não é uma regra: o uirapuru-de-chapéu-azul (Lepidothrix coronata), por exemplo, não realiza esse ritual.
Apesar de a exibição conjunta ser muito comum, muitas espécies realizam o cortejo a sós. Como já citado, nas rendeiras o macho se exibe sozinho e, no caso dessa espécie, o display pode ser observado por outros machos que, em seus próprios terrenos, realizam a dança de forma síncrona, mas não em forma de cooperação. O tangarazinho (Ilicura militaris) também realiza seu cortejo sozinho, usando galhos grossos na copa das árvores como poleiros. A exibição do tangarazinho possui diferentes processos: (1) o macho, vocalizando sozinho no poleiro, infla as pernas vermelhas do uropígio; (2) empoleirado, em posição usual, o macho produz som mecânico pela movimentação das asas ao voar de um poleiro para outro; (3) com a postura de queixo para baixo o macho realiza dois saltos rápidos sobre a fêmea, finalizando com um (4) salto semicircular, restrito ao poleiro de acasalamento [4].
Seja qual for o tipo de exibição, se é realizada de forma competitiva ou cooperativa, se envolve muitos machos ou se é feito de forma solitária, o fato é que o cortejo moldou durante milhares de anos o grupo das aves. Na família Pipridae, foco desse texto, os elementos presentes em cada uma das exibições definem, inclusive, a proximidade entre as espécies. Cada uma possui uma parte na corte que é exclusiva e compartilham com as espécies irmãs alguns comportamentos, sejam voos esteriotipados, vocalizações ou posturas. E devido a grande pressão sexual que essas espécies sofrem, o dimorfismo – machos e fêmeas esteticamente diferentes – é muito evidente: os machos são rebuscados e com cores extravagantes, enquanto as fêmeas são, geralmente, verdes e sem ornamentações.
Apesar de os exemplos mais conhecidos e estudados serem da família Pipridae, a corte não está restrita a esse grupo e nem a ordem Passerformes. Mas isso é assunto para outro texto.
Referências Bibliográficas:
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