Em meio às cores estáticas do jardim, um brilho metálico de cores estonteantes risca o plano diante dos nossos olhos. A velocidade do beija-flor é tamanha que sequer podemos ver algo além de seu brilho, até que, por fim, ele interrompe sua trajetória linear de forma brusca e se posiciona delicadamente de frente para a sua flor predileta. Fá-lo com uma maestria tamanha que nenhum outro ser vivo de sangue quente é capaz. Pairam de forma que nenhuma outra ave é capaz de fazer, mantendo controle completo dos movimentos e podendo permanecer em posição estática. Essa capacidade lhes permite se alimentar do néctar de flores que não oferecem nenhum tipo de poleiro. Toda essa destreza é alcançada pela presença de articulações no ombro que permitem grande movimento, além do comprimento acentuado do carpo, dando a suas asas grande manobrabilidade.
Com seu bico extraordinariamente longo e fino ele vai onde nenhuma outra ave é capaz de chegar: numa bolsa repleta de néctar onde esta flor guardou a sete chaves aquilo que é a chave de sua sobrevivência. Ao agradar o beija-flor, essa delicada flor retira dele algo que só ele é capaz de fazer com essa eficiência: seu trabalho de mensageiro. Ao se retirar dali em direção à próxima flor, o beija flor leva mais do que o doce néctar que extraiu de sua flor; leva consigo também o seguro de vida da planta, a certeza de que ela continuará a viver por gerações: o pólen, com o qual irá fecundar outras flores. Complementam sua dieta com a proteína de artrópodes que são capturados no ar ou roubados em teias de aranha. Para capturar insetos em voo, não os pinçam com a ponta do bico. Em vez disso, usam a base do bico escancarado para direcionar os insetos diretamente para o fundo da garganta.
Esses pequenos mensageiros alados, com brilho de pedra preciosa e velocidade de míssil, são de fato especiais. Para manter o seu ritmo acelerado de vida, o que inclui bater asas tão rápido que o olho humano sequer poderia vê-las, os beija-flores vivem no limite da sobrevivência. Necessitam visitar todos os dias pelo menos 1000 flores e ingerir todos os dias uma quantidade de néctar que pode chegar a duas vezes o peso do seu próprio corpo. Seu coração, embora pequenino diante das proporções humanas, é proporcionalmente o maior dentre todos os animais, podendo chegar a 15% do volume total de seu corpo e bater, enquanto a ave descansa, até 600 vezes por minuto, número que chega a dobrar quando a ave está em plena atividade.
Graças a esse coração de proporções singulares e rapidez inimaginável para um ser humano, esses pequenos seres podem bater suas asas até 80 vezes por segundo e chegar a velocidades que pouquíssimas coisas criadas pelo homem poderiam alcançar. Um beija-flor-Anna (Calypte anna) pode percorrer em um mergulho descendente uma distância que supera 380 vezes o comprimento de seu corpo em um único segundo, ao passo que um ônibus espacial percorre no ápice de sua velocidade, 207.
Porém uma vida tão acelerada tem o seu preço. Devido ao seu consumo extraordinário de energia, um beija-flor não pode se dar ao luxo de levar uma vida ociosa. Apenas 15 minutos sem se alimentar poderia significar morte para estes pequenos notáveis. Essas aves peculiares são restritas ao continente americano, sendo representados por quase 350 espécies. Muitas dessas habitam regiões montanas, como os Andes, onde a temperatura baixa estupendamente durante as congelantes noites. Seu pequeno corpo não é capaz de estocar energia suficiente para os manter aquecidos durante o gélido desjejum. Para driblar esse problema, deixam que a temperatura do corpo baixe e entram em estado de torpor, diminuindo o metabolismo, a temperatura corporal e os batimentos cardíacos. A temperatura cai para metade e os batimentos cardíacos caem para 36 batidas por minuto.
O extravagante colorido iridescente da plumagem dessas aves extraordinariamente não depende de pigmentos. Suas penas apresentam estruturas capazes de refratar a luz, criando padrões fascinantes de cores que se transmutam dependendo da posição. Essas cores são associadas a esplêndidas coreografias e cantos elaborados para atrair as fêmeas, que apresentam plumagem modesta e esperam por um galanteador capaz de convencê-las. A construção do elaborado ninho, a incubação dos minúsculos ovos e o cuidado dos filhotes são realizados pela fêmea apenas. Os ovos podem ser tão pequenos quanto uma bala tic-tac.
Gostou do tema? Então confira o Episódio 2, da primeira temporada do Uru Podcast 'Os incríveis beija-flores'
Referências bibliográficas:
Hummingbirds: Magic in the Air, JOHNSON PRUM , Coneflower Productions and THIRTEEN, 2009
Sick, H. (1997) Ornitologia brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 862p